A
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Filósofo,
agitador social, diretor de cinema, o francês Guy Debord se definia com “doutor
em nada” e pensador radical, inimigo declarado da ordem social existente. Em
1967, um ano antes da eclosão dos acontecimentos históricos de maio de 1968,
Debord publicou a sua mais importante obra teórica, “A sociedade do espetáculo”, um livro espantosamente lúcido, demolidor
e atual, pois se tornou a obra precursora de toda a análise crítica da moderna
sociedade do consumo, baseada na tirania das imagens e na submissão alienante
ao império da mídia.
As
rápidas transformações do capitalismo contemporâneo, a partir das últimas três
décadas do século XX, foram acompanhadas também pela rápida expansão da
sociedade do espetáculo. Em um mundo integralmente mercantilizado, a lógica da
mercadoria, analisada por Karl Marx, mais especificamente, no sistema de
produção, agora se estende a todos os aspectos da vida cotidiana, sejam eles
políticos, culturais, sociais ou mesmo individuais; absorveu e invadiu tudo,
inclusive as críticas parciais e localizadas. Enquanto o capitalismo aparentava a vida a
partir da degradação do ser em ter, o espetáculo apresenta em seu âmago a
lógica soberana do aparecer.
Esse
controle totalitário, que outrora encontrou bases em sistemas políticos
ditatoriais, cuja dominação era materializada por meios tradicionais, tais como
a violência física e direta, é exercido, atualmente, por meios sofisticados,
mais especificamente a mídia imagética, em especial o cinema, a televisão e a
internet, e em nome de uma sociedade democrática.
Nas
palavras de Debord, vivemos em uma sociedade do espetáculo, onde as relações
sociais tendem a ser, cada vez mais, mediadas pela imagem. O espetáculo
representa e afasta o mundo vivido em imagens ao mesmo tempo em que oferece a
essas mesmas imagens uma autonomia que chega a ser absoluta no seio de toda a
produção cultural. Assim, é compreensível que a mídia imagética não apenas
produz e acumula imagens, mas também, e, principalmente, compõe toda a
engrenagem espetacular e mercadológica que movimenta a vida social dos sujeitos
no capitalismo contemporâneo: “o
espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas,
mediada por imagens. [...] O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação
que se torna imagem” (DEBORD, 1997).
O
homem moderno tem características singulares. Atualmente, vivemos no mundo da
técnica, onde parece que tudo é possível, que não há limites para a capacidade
de criação humana. Temos TV’s, celulares, carros, computadores; e, a princípio,
essas novas tecnologias nos surpreendem por facilitar a nossa vida. Todavia, o
avanço exponencial das renovações e inovações tecnológicas hoje quase que
totalmente impossibilitam esse sentimento.
É
lugar comum esperar que os carros sejam mais rápidos e compactos ou que um
celular vai englobar cada dia mais funções, talvez tornando outros eletrônicos
obsoletos. Diante de tal constatação, nasce um sentimento de indiferença
no ser humano moderno: as possibilidades técnicas são tão vastas que se torna
cada vez mais difícil para o homem notar/perceber e ser grato por aquilo que
torna sua vida mais fácil. Criou-se o que Debord chama de “pseudonecessidades”,
isto é, as pessoas não compram porque precisam daquele produto, ou por terem um
desejo real; compram por comprar. Hoje, há o império do consumir por consumir,
onde as pessoas conseguem alguma satisfação apenas no ato do consumo, já que
este acaba sendo um ato mecânico e o objeto em si não tem significado além da
compra. A sociedade do consumo prospera porque consegue tornar perpétua a
insatisfação dos sujeitos.
A
sociedade do espetáculo, portanto, está inserida no que podemos chamar de
“democracia totalitária”, que, ao operar, sobretudo, através da manipulação de
falsas necessidades, principalmente por meio da mídia imagética, engendra-se em
todos os níveis, em todos os aspectos da vida dos indivíduos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário